Personagem

Desde o momento que abrira o livro do escritor trintão-cool-alternativo contemporâneo sobre algo que, talvez não fosse nem mesmo do tempo dele mas que ele fingia que sim, conhecia a fundo numa ânsia de ser mais que os outros, conhecer mais que os outros, ser vintage, moderno, descolado, careless, ela lembrara de Pietro.
Pietro havia sido um homem que, como a menina perguntara naquela noite, ela nunca soube dizer como conheceu. Ambos existiam numa mesma cidade e num mesmo ambiente em determinada época de suas vidas. Uma noite, numa boate, ela chegara, num auge de bebedeira ao lado do que costumava ser seu melhor amigo e sentira, nunca soube de onde, como ou porque, alguém lhe girando para um beijo. Um beijo que, durante algum tempo ela considerou o melhor de sua vida. Após isto, fora assim, encontrava-se aos tropeços sob a luz estroboscópica do ano de 2005, se olhavam e se beijavam batendo-se pelas paredes e rindo.
Os dois sempre, extremamente passionais. Uma noite, ele, após ter dado um soco numa parede a chamou para sair de onde estavam e irem beber. Foram. Durante a conversa, que nunca, nunca fora menos do que interessante, embora as vezes pedante ou entediante, ele lhe dissera: nossos filhos seriam muito inteligentes. E fofos, ela completou, juntando as duas características mais sobresalentes em ambos. Dormiram juntos e não dormiram juntos, de forma completamente platônica mesmo com ela rezando para que acontecesse alguma coisa. Não aconteceu. Somente um carinho no rosto pela manhã enquanto ela ainda fingia que dormia.
Eram o tipo de casal não concretizado e que juntos dariam em perigo.Uma vez, tomando vinho e ouvindo o quinto melhor jazzista contemporâneo na casa dele, ele a elogiou, disse que sua beleza naquela noite estava especial. Ela, que secretamente se sentia mais poderosa e realmente bonita debaixo de todo aquele lápis no olho, respondeu: é o cabelo. Cortei ele hoje. Eu mesma. Na hora, ele se levantou e disse: acho que vou cortar o meu. Me ajuda? Foram juntos para o banheiro com uma máquina na mão e um desastre. Juntos, seriam auto-destrutivos. Se afundariam em álcool, drogas, boates, vinhos, livros e filosofias, noitadas de piano, jazz e o sexo que nunca fizeram.
Ela sempre pensara nele como uma espécie de personagem. Não havia como alguém ser tão carismático e assumir esta postura durante a vida e funcionar tão bem, se a pessoa não fosse um personagem. E ele era, dos dela, um dos preferidos.
Naquela noite, ele perguntara o que ela estava fazendo – já de pijamas, após uma incursão a seu passado familiar, ganhando um perdão que não precisava ou pedira, ela respondeu: trabalho. O que, é obvio era uma mentira. Ele disse que estava bebendo em casa com uma amiga e eles queriam companhia. Ela negou mais uma vez, até que como último argumento, ele venceu com: passe a noite comigo, meu bem, não te arrependerás.
Canastrão filha da puta, pensou. Eu vou, me dá um tempo. Colocou qualquer roupa preta pra combinar com seu casaco chique e botas de chuva – porque chovia o céu em Botafogo. Chegou lá, se enrolou com o elevador e as luzes e ao chegar a seu andar, ele abriu a porta e disse: você demorou pra subir, meu amor. Aconteceu alguma coisa? Eu me perdi, ela respondeu enquanto entrava. Lembranças de casa alheias, sempre chegam como uma fonte de saudade. O cheiro, a disposição dos móveis, a luz ou a falta de. Deu de cara com, uma mulher (menina, provavelmente) e sim, um menino, um som enorme e potente conectado ao som, televisão e computador. Baby Charles tocando. Após sentar, ele sentou-se a seu lado e disse: Você bebe vodka? Bebo. Lhe mostrou uma garrafa com conteúdo vermelho. Vodka russa, mas essa é especial, olha: mostrou o fundo da garrafa os dizeres que indicavam, vodka soviética russa, 30 anos. Havia pimenta. Colocou uma dose pra ela, que fez careta após o primeiro gole. Esquenta, não é? Ela balançou a cabeça. Feita especialmente para o inverno de São Petesburgo. E rira. Era assim que ele era. Canastrão filha da puta.
Dessa vez, não tinha mais cigarro nas mãos. Era algo mais… natural, que ela não fazia há algum tempo. A música, as pessoas que pareciam ter sumido, a maconha e a chuva na rua lhe levaram prum não sei onde que ela precisou ser chamada de volta por estar “extremamente introspectiva”. O fato é que, ela não estava ali. Nem quando ele sentou entre as suas pernas e começou a mexer e bagunçar os seus cabelos. Não era nos cabelos dele que estava mexendo, era quase como se, não fosse a sua vida que estivesse vivendo. Toda vez que estava perto dele, se sentia como ela uma personagem, da vida dele, secundária, tentando achar seu nome em uma posição principal nos dvds da prateleira.

~ por M. em dezembro 28, 2008.

Uma resposta to “Personagem”

  1. Eu li este texto. Mas é mais um daqueles que não há muito a ser comentado, porque parece tão prolixo ficar falando de trechos que chamaram mais a atenção.
    O bom é encontrar algo que amo aqui – e que eu já devo ter repetido umas duzentas vezes, rs – que é uma intensidade na forma como abraça o que conta. Acho muito, muito bom de ler. 🙂

    Beijão!

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