Suspende

Me desculpem mas eu acho que também estou de greve.
Da minha vida e da vida dos outros que possam se entrelaçar com a minha. Deve haver algo errado.
E há. O grande problema de não fazer nada – ou quase nada, é que chega uma hora que eu me entrego. E não há quase vontade alguma. E quando de fato eu tenho coisas a fazer, eu já fico extremamente cansada, de antemão. Acordo querendo deitar, sinto dores de corpo, dores de movimentos que ainda nem fiz.
Tudo on hold trabalhos, estágios, arrumação do quarto, gatos e amizades. Menos namoro, que parece ser a partícula de ligação de mim com o mundo, com um mundo, fora o meu, que desperta como banho de manhã cedo.
Isso ou o irmão gritando “gol” aqui do lado, na sala.
As gatas nunca mais cão ter cio e eu não sei mais o que vai ser entrar naqueles dias com uma cumplicidade de um bicho que miava comigo, dizendo que entendia.
Vi Ensaio sobre a cegueira e quase não me senti mal, como me senti lendo o livro, no início da greve. Me acostumei a ter uma visão pretensamente única, certamente unilateral nos limites de menos de metro e sessenta. Me acostumei a lentes de aumento, sempre precisando de exagero. Nunca olhei por um microscópio nem por uma luneta.
No que me diz respeito, longe e pequeno, não existem nesse espaço de retângulo. Grande e perto, sim.

~ por M. em outubro 23, 2008.

Uma resposta to “Suspende”

  1. Não assisti ao filme; não li o livro. Comecei a ler, mas, mas mas… arranjei desculpas e parei.

    Gostei disso: lentes de aumento, exagero. Cada um tem as suas lentes, metaforicamente, ou não. Achei bonita essa forma que você escreveu.

    Beijos!

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