das Eternidades

” O tempo, o tempo é versátil, o tempo faz diabruras, o tempo brincava comigo, o tempo se espreguiçava provocadoramente, era um tempo só de esperas, me guardando na casa velha por dias inteiros; era um tempo também de sobressaltos, me embaralhando ruídos, confundindo minhas antenas, me levando a ouvir claramente acenos imaginários, me despertando com a gravidade de um julgamento mais áspero, eu estou louco! e que saliva mais corrosiva a desse verbo, me lambendo de fantasias desesperadas, compondo máscaras terríveis na minha cara, me atirando, às vezes doce, em preâmbulos afetivos de uma orgia religiosa: que potro enjaezado corria o pasto, esfolando as farpas sangüíneas das nossas cercas, me guiando até a gruta encantada dos pomares! que polpa mais exasperada, guardada entre folhas de prata, tingindo meus dentes, inflamando minha língua, cobrindo minha pele adolescente com suas manchas! o tempo, o tempo, o tempo me pesquisava na sua calma, o tempo me castigava, ouvi clara e distintamente os passos na pequena escada de entrada: que súbito espanto, que atropelos, vendo o coração me surgir assim de repente feito um pássaro ferido, gritando aos saltos na minha palma! disparei na direção da porta: ninguém estava lá; investiguei os arbustos destruídos no abandono do jardim em frente, mas nada ali se mexia, era um vento parado, cheio de silêncio, nem mesmo uma tímida palpitação corria o mato, a imaginação tem limites eu ainda pude pensar, existia também um tempo que não falha!”

NASSAR, Raduan. in Lavoura arcaica.

Depois disso, não tem o que dizer. O tempo é isso. Em mim, é brincadeira de esconde – esconde. Cai em conta gotas durante cinco dias na semana, correndo mais ou menos rápido de acordo com o acompanhamento. Tempo inimigo, tempo físico, lógico, não dorme mas para. Ele para sempre na solidão.

~ por M. em abril 7, 2008.

4 Respostas to “das Eternidades”

  1. Coincidentemente, escrevemos sobre a relatividade do tempo. Por que será, né?
    Quem sabe um dia inventam um meio de domar o tempo selvagem…
    =***

  2. concordo!

  3. com o q exatamente, Loo?

  4. O tempo brinca com todos nós, mesmo. E também não tenho nada a acrescentar diante do trecho transcrito. Fico só com uma sensação, acho que bem desperta pelo trecho… é angustiante o movimento do tempo, de fato não dorme, como você disse. Parece, assim, mesmo com a possibilidade do tempo parar, que estamos sujeitos a sermos atropelados por esse fluxo temporal.

    Bem, mas vou confessar… – eu odiei ler “Lavoura Arcaica”. E o filme, idem. Heresia literária e cultural, que seja. Mas estou sendo sincera. rs.

    Beijo.

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