After midnight

– Você quer mesmo saber? Esta é uma daquelas coisas que a gente diz que não nos afeta mas no derruba do mais alto. E você sabe, quanto mais alto…
– Fala logo! – ela disse.
E Cezar obedeceu. A cada chegar de palavras, ela ia se modificando, sua postura quase sempre ereta, ia se desmanchando, murchando, perdendo viço.
Em uma sentença e a fofoca trazendo o mais escondido de todos os seus segredos: ela era feia.
Desde que se soube mulher, sua vida nada mais fora do que a escolha dos perfumes, os batons vermelhos e a camada fina e translúcida sobre a pele impecavelmente branca. Tudo em si, falso e cuidadosamente montado.
Acordava já bonita, levantava-se mais cedo, puxando um punhado do lençol azul para se cobrir, deixando aquele outro, aquele corpo lá, estirado, em sonos, em sonhos.
Ia para o banheiro ainda escuro iluminado dos primeiros raios amarelavermelhados de sol e cobria-se com o fino pó, com o corretivo e um pouquinho só de blush, para parecer viva, a só deitava novamente depois de ajeitar com as mãos a cabeleira anelada.
E com um disserem-me que disseram, tudo acaba. Haviam descoberto, bonita, não era. Arrumada, parecia.
Não era muito.
Rica, fora nunca.
E precisava de horas de arrumação e detalhe, muito dinheiro (que nem tinha) gasto. Vivera talvez nos últimos dez anos em esmero de guardar a sete chaves o segredo de sua feiúra. A maquilagem, era roupa. A roupa, era vício e o perfume, caminho.
Procurava mostrar um pouquinho de tudo, aquela sua inteligência de livraria e a aparência de lady, sempre o mais impecável que poderia se mostrar.
Ao que ele descobrira, voltara a ser, cinderela depois de meia noite.

~ por M. em dezembro 26, 2007.

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