Medicin

Sua mãe, assim que chegou em casa chamou-lhe pra o quarto. Queria conversar. Ela estava sentada com seus head fones ligados em alguma música cantada por uma voz feminina, prescrutando por palavras que pareciam ser feitas para seus ouvidos. Ainda na busca cega.
Enquanto calçava os chinelos cor-de-rosa pensava calmamente no que haveria feito dessa vez. Por mais que revirasse a memória não conseguia achar algo que a fizesse se sentir culpada. Com um dar de ombros e chinelos arrastando no taco solto, entrou no quarto.
-Que qui é?
– Que qui é, não. Olha, tá aqui o remédio que seu médico te passou.
– Ah tá.
– Mas, minha filha, é tarja preta. Toma cuidado. Não vai misturar com álcool, pelo amor de Deus! E também não vai tomar tudo de uma vez ou resolver aumentar a dose se tiver tendo uma crise.
– Crise? Ah, tá bom. Ãran, mãe. Tá, tá bom.
– Eu estou preocupada com você.
– Ãran.

Olhou o remédio e leu a bula atentamente. Foi direto para a parte que lhe interessava, desprezando a linha preta. Só mais uma classificação que ela não precisava. Para ansiedade. Ansiedade. Ué, e desde quando a minha ansiedade é problema? E esse tempo todo eu achando que era só impaciência. Acho que há um limite entre bufar quando o ônibus demora e chorar porque já se está há muito tempo no ponto.Uma linha tênue.
Eu fui uma criança estranha, admito. Muito preoucupada com horários, com tempo, com relógio, com não deixar a vida passar.
Mas não é isso que faço todos os dias? Ver a vida passar enquanto eu aqui, sentada na frente desse computador?
Mas como é que me dão um remédio cujos efeitos colaterais incluem depressão? Não chega isso a ser um paradoxo? Então como vai ser?
Bom, é esperar para ver.
Chega um ponto em que ela, ela não consegue mais distinguir o que é ela, o que são remédios, o que é ambiente externo, o que são os outros, ou o que é a outra ela.
A mãe chega no final de semana. Beija a testa da filha e pergunta como ela está.
Bem. (Meio deprimida, na verdade). – Tem remédio pra dor de cabeça?

~ por M. em agosto 22, 2007.