It was about time

Rio de Janeiro, 05 de outubro de 2005.
Dear (_),
Quando nos conhecemos, no play, eu nunca poderia imaginar que viríamos a ser o que nos tornamos, um dia.
Desde aquele dia do Parque Lage, aquele em que vc, espontaneamente pediu para que eu fugisse com vc (e eu recusei), eu tenho lhe escrito cartas. Sei que já disse isso muitas vezes, e que vc sabe da existência de cada uma delas. Nunca lhe entreguei nenhuma, é verdade. Sempre prometi, nunca cumpri. Muitas vezes, estava na sua casa, com a carta na bolsa e perdia a coragem. Essa, que acredito ser a última, vai ser publicada, e você com certeza não lerá também.
A maioria delas era quase cópia uma da outra, mudava uma palavra ou outra, um parágrafo ou outro, mudava uma vírgula de lugar. Sempre as achei muito infantis, morria de medo que você me visse como mais uma daquelas menininhas apaixonadas. Perto de você, eu voltava aos meus quatorze anos, esquisita, insegura, sem saber muito bem o que fazer, onde colocar as mãos. O segredo era fingir. Fingir que sabia tudo, fingir que estava no controle, fingir casualidade, fingir desprendimento.
Você esteve para mim como que para me salvar de muita gente, de muita coisa e principalmente de mim mesma. Agüentou telefonemas mudos onde só o que eu fazia era chorar, eu chorando em sua cama por causa de outro (a), me abraçou quando eu precisei, me beijou quando eu precisei, não me largou quando eu precisava de braços ao redor. Fossem quatro da manhã, duas da tarde, dez da noite. Eu nunca pude retribuir muito, não desse jeito.
Você me fez entender o que é ser mulher, você me sabia muito mais que eu mesma, me descobriu antes de mim e me mostrou isso.Com você eu era pura dentro daquela “sujeira”, com você eu era inteira. Eu lembro de tudo, dos gostos, dos cheiros, dos pesos, do lençol que me cobria, do vento que entrava pela janela, dos programas que passavam na televisão, das risadas gostosas que eu dava, dos sussurros, dos gemidos abafados, das confidências, da tranqüilidade, da frustração. Foi com você que entendi o que é se sentir confortável dentro da própria pele.
Era de você que vinham minhas marcas, da onde vinha minha violência, minha passividade, meu prazer, minha satisfação, minha ousadia. Você, mesmo sem saber me empurrou para ir além e descobrir outras de mim e além de mim. Foi por sua causa que cortei o cabelo curto pela primeira vez, porque estava brava com você, foi você quem descobriu que eu tinha um segredo, o meu segredo mais obscuro e foi você quem o mostrou a mim.
Foram dois anos divertidos, foram dois anos em que eu cresci e você também. É muito tempo. Você fez um espaço enorme adquirir um significado que nunca existiu, eu cresci nas suas mãos.
Eu sempre pensei que estaríamos sempre ali, à espreita um do outro, prontos para jogarmo-nos nos braços um do outro a qualquer momento. Sempre achei que fossemos durar eternamente. Crescemos, seguimos caminhos diferentes, gostos diferentes, personalidades diferentes. Acabou, e fui eu quem percebeu primeiro.
Acho que além de muito obrigada, queria dizer que eu te amei, e que sofri e que chorei, mas que você ainda é minha esfínge, o detentor de meu mistério, pronto a devorar. Chegou a hora de voarmos mais longe, de eu conhecer outros segredos, de arrumar um novo dono e de você parar.
A-deus.
My

~ por M. em outubro 5, 2006.

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